13 de outubro de 2015

Música em Lisboa, 1536



NOTAS AO PROGRAMA

Na Lisboa do tempo de D. João III a música era rica e diversa. Restam, contudo, poucos testemunhos da mesma, já porque só alguma da música era escrita, já porque muitas das fontes se perderam por desuso, incúria, ou acidente (mormente na voragem do terramoto). Fiel ao seu propósito de recuperar a memória do património musical mais antigo, as Vozes Alfonsinas propõem neste concerto revisitar repertório, até há pouco inédito, da Capela Real e da Sé de Lisboa, juntando-o com canções profanas e peças instrumentais que circulavam na corte.
            Duas fontes assumem neste programa especial relevo: o primeiro livro impresso na Península Ibérica com repertório vocal adaptado para tecla, autorizado em 1536 e publicado em Lisboa em 1540, e um fragmento medieval que correspondente ao Ofício lisbonense para a trasladação de S. Vicente, impresso em 1536. No mesmo ano foi também publicado o livro El maestro, do vihuelista Luís Milán, dedicado ao rei de Portugal, pelo que as composições aí incluídas foram certamente ouvidas em Lisboa.
            Em 1992, Alejandro Iglesias anunciou a descoberta de uma cópia da Arte novamente inventada pera aprender a tanger de Gonçalo de Baena. Apesar de haver notícia da respectiva licença de impressão, dada em 1536 pelo rei D. João III — a quem o volume é dedicado ­—, o livro julgava-se perdido, ou nunca concretizado. Tendo-se localizado o volume na Biblioteca do Palácio Real em Madrid, a investigadora Tess Knighton foi a primeira a examiná-lo em profundidade, produzindo um estudo exemplar; mas a edição completa do livro só em 2012 foi publicada pelo CESEM em Lisboa, incluindo quase três dezenas de peças até agora desconhecidas, a que foi finalmente devolvida a oportunidade de soar, não só no seu arranjo para tecla, mas também em versões para vozes, laboriosamente reconstituídas.
            Destacam-se peças atribuídas a Gonçalo de Baena, músico de origem sevilhana residente na corte lisbonense desde c. 1500, e seu filho António, que figura junto com dois irmãos em documentos datados de 1515 e 1516, nos quais todos eles são identificados como executantes de viola de arco (viola da gamba). As Vozes Alfonsinas fizeram a estreia moderna de algumas destas peças em 2012, e neste concerto ampliam esse esforço.
            Entretanto, em 2010 foi descoberto, no Arquivo da Casa da Moeda, um fragmento medieval com enorme importância histórica: o único testemunho sobrevivente da liturgia medieval da Catedral de Lisboa com a sua música. Faz parte do ofício que comemora a trasladação lisboeta dos restos de S. Vicente em 1173, desde então padroeiro da cidade.
            O resto do ofício foi impresso, sem música, em 1536, como parte do Próprio dos Santos que se quis salvaguardar na liturgia da Sé apesar da adopção, nesse mesmo ano, do rito romano; contém uma narração dos factos de 1173 (a invenção e trasladação das relíquias), diferente da narrativa oficial de mestre Estêvão. Em 2013 foi feita uma edição crítica completa (texto e música), tendo em conta o impresso quinhentista. O ofício parece estar relacionado com a campanha de promoção do culto vicentino na Sé pelo rei D. Afonso IV, em meados do século XIV; foi cantado na Sé todos os anos a 15 de Setembro, até à época de Filipe II, altura em que foi substituído por outro formulário. Desde então não se cantou em Lisboa o Ofício antigo, o que torna este concerto um marco de importância excepcional.


Música em Lisboa, 1536

Próximo concerto:













No âmbito da:













As Vozes Alfonsinas voltarão, agora em Lisboa, com Música do tempo de D. João III (1521-1557), com o seguinte alinhamento:





1ª Parte. Música religiosa

A. Do Ofício comemorativo da trasladação de S. Vicente para a Sé de Lisboa (fragmento da Casa da Moeda e Próprio de Lisboa de 1536)

            Da hora de Matinas:
1. Anónimo, antífona "Intrepidus in phasello". Salmo 2
2. Anónimo, antífona "Tandem corpus exumatur". Salmo 4
3. Anónimo, responsório "Ut cum sacrum passu gravi"
            Da hora de Laudes:
4. Anónimo, antífona "Extollamus creatori". Salmo 93 (92)
5. Anónimo, antífona "In nobis et ardor mentis". Salmo 100 (99)
6. Anónimo, hino "Celsi tonantis premium"

Interlúdio

7. Luís de Narváez: Fantasia*

B. Polifonia da capela real (na Arte para Tanger, Lisboa, 1540)

Música de origem litúrgica

8. Gonçalo de Baena, "Ave maris stella", a 3 [Arte, nº 31a]
9. Gonçalo de Baena, "Si dedero", a 3 [Arte, nº 38a]
10. António de Baena, Kyrie, a 4 [Arte, nº 51a]
11. António de Baena, Sanctus (com Osanna) da Missa "Sola la fare mi vida", a 4 [Arte, nºs 57a-58a]


2ª Parte. Música palaciana

Canções profanas e peças instrumentais


12. Luís Milán: Fantasia*
13. Anónimo, Senhora quem vos disser, a solo

14. Anónimo, romance de D. Inês, Io mestando em Coimbra, voz solo
15. Luís Milán: Fantasia (instrumental)
16. Anónimo/Miguel de Fuenllana, "Endechas de Canarias", voz solo*
17. Luís de Narváez: Variações sobre "Guardame las vacas" *

18. Anónimo, Porque me não vês Joana, a três vozes  
19. Anónimo, Parto triste saludoso , a três vozes
20. Anónimo, Cuidados meus tão cuidados, a três vozes

21. Anónimo, Minina dos olhos verdes, a três vozes
22. Anónimo, Si tantos monteros *
23. Anónimo, Na fonte está Lianor, a três vozes
24. Anónimo, Mourisca*

25. Luís Milán: "Al amor quiero vencer" (tutti)*


BOM CONCERTO!